Entre 2015 e 2019 o Brasil perdeu mais de 4,6 milhões de leitores. O percentual caiu de 56% para 52%, segundo dados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2020. O levantamento também mostrou que entre os não leitores – ou seja, brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro, nem mesmo em parte, nos últimos três meses de análise da pesquisa –, representam 48% da população, o equivalente a cerca de 93 milhões de um total de 193 milhões de brasileiros.
Diante do cenário preocupante, estabelecer o compromisso da educação básica com o estímulo à leitura figura como um dos principais direcionamentos do projeto de Lei 5.108 de 2019 sancionado ontem (12), pela presidência da República. A sanção altera a lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), incluindo na educação básica o compromisso com a alfabetização plena e a capacitação gradual para a leitura.
Para a Agência Brasil, a secretaria da Presidência da República declarou que o desenvolvimento da educação básica e a formação de leitores capacitados permite o pleno exercício da cidadania, o desenvolvimento da economia e o aumento da produtividade. “O direito à educação é uma garantia constitucional atrelado à dignidade da pessoa humana, inserido no rol de direitos fundamentais e sociais, sendo dever do Estado e da família o seu provimento, conforme prevê o art. 205, da Constituição”, afirmou.
A escritora de livros infantis e professora Márcia Mendes, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), acredita que a questão da leitura no Brasil demanda políticas públicas comprometidas com o acesso à literatura na linguagem oral, como contação de histórias, e escrita, por meio de livros, considerando a mediação de leitura. Para Márcia, é necessário ampliar a formação leitora de todos os profissionais envolvidos no processo educacional.
“É importante que esses profissionais tenham um repertório leitor que sirva de base para a seleção de narrativas em que circulem temas relevantes e, por conseguinte, revelem a linguagem plurissignificativa tão cara para a literatura. Projetos de incentivo à leitura, desde a infância, contribuirão de maneira assertiva para a formação leitora das crianças na escola e em casa”, defende com propriedade do lugar que ocupa, tanto como autora como educadora.
Educação e literatura antirracista
A pesquisa nacional Educação, Valores e Direitos, realizada pelo Instituto Datafolha e encomendada pelas organizações Ação Educativa e Cenpece, apontou que nove em cada dez brasileiros concordam que a discriminação racial seja discutida pelos professores em sala de aula. Uma educação e leitura antirracista são pontos que a professora Márcia vem trabalhando e estudando ao longo dos últimos 10 anos.
Autora de livros como Dandara, cadê você?, lançado em 2018 pela Editora Metanoia, cuja protagonista negra quer saber o porquê do seu nome, Márcia se dedica a pesquisar sobre mulheres negras apagadas na literatura brasileira e na história oficial. Para ela, a discussão racial nas escolas vai além do debate e pode ser exercida com escolhas literárias que fomentem a representatividade negra. “Explicitar em minhas narrativas o protagonismo negro abre portas para tecer uma educação antirracista, uma prática “cotidiDiária” na escola através da poesia. É importante para a criança negra “se ver bonita, feliz, inteligente nas narrativas que são contadas e lidas com/para elas”, defende.
Em sua sexta obra literária dedicada ao público infanto-juvenil - o livro Maria Felipa, Força e Poesia - a protagonista é inspirada na heroína real de mesmo nome que lutou para a conquista da Independência da Bahia e, por consequência, do Brasil. “Ela emerge como descendente da Maria Felipa de Oliveira e, com as memórias da família, o canto e as narrativas das marisqueiras, o gosto pelas águas que bailam no mar da Ilha de Itaparica, brinca para honrar àquela que história oficial escondeu, mas não apagou”, resume.
Para Márcia, a Lei 5.108/2019 em consonância com a Lei 10639/2003, que institui o ensino da “História e Cultura Afro-Brasileira”, deve fazer parte do ensino o ano inteiro em todos os componentes curriculares. “Na luta antirracista a linguagem literária tem também um papel preponderante de ler e contar narrativas que contribuam para curar feridas porque, como sinaliza a professora Glenda Melo, a linguagem fere, mas também pode curar. A literatura abre possibilidades para recriar mundos destruídos, por isso deve também ser pensada para todas as infâncias”, finaliza Márcia Mendes.
Fonte: Fonte: Agência Educa Mais Brasil