Lançada em 1988, a canção “Toda Forma de Amor", de Lulu Santos, carrega uma mensagem única e atemporal: todas as manifestações de afeto devem ser consideradas justas e válidas. Neste Dia dos Namorados, precisamos falar sobre as pluralidades afetivas e sobre as diferentes maneiras de relacionar-se.
O amor é sempre uma pauta constante, as pessoas tentam entendê-lo, domá-lo ou até ignorá-lo. Mas, ele está presente e é o que nos conecta com o todo. Os relacionamentos podem ser diversos. Assim como há pessoas que optam por casar e constituir uma família com uma pessoa exclusiva, também há aqueles que buscam a si mesmos de outra maneira, criando laços e redes afetivas com pessoas diversas. Ou ainda aqueles que buscam construir sua autonomia sem precisar se relacionar com terceiros. E tudo bem.
A psicóloga Ianny Luizy explica que, diante de todas essas dinâmicas, o importante é que as pessoas sintam-se bem consigo mesmas e não esqueçam que o outro não é o responsável pela sua felicidade.
"O importante é que as pessoas
sintam-se bem", diz psicóloga Ianny - Foto: Jailson Soares/O Dia
"As pessoas criam expectativas sobre os relacionamentos, como se eles fossem a salvação e a resposta da felicidade completa, do entendimento pleno do seu ser. Muitos acreditam que o outro tem a obrigação de lhe fazer feliz e realizado”, comenta a psicóloga.
Relações não-monogâmicas
Em uma realidade de pluralidades afetivas, muitas pessoas buscam relacionar-se de uma maneira diferente do que é imposto pela sociedade colonizada, quebrando paradigmas e tabus, em busca do que realmente importa: ser feliz e estar bem consigo mesmo e com o mundo ao redor.
Ao se relacionarem, as pessoas procuram por compreensão mútua, empatia e parceria. E essa busca segue sendo feita através de experiências diversas. Namoros tradicionais são apenas um dos inúmeros modelos de relacionar-se que existem. Apesar de não serem ideias atuais, termos como não-monogamia, amor livre e poliamor estão cada vez mais presentes em nosso dia a dia.
A não-monogamia, por exemplo, é uma grade de conceitos que se referem a formas de se relacionar e direcionamentos ético-políticos. Esse conceito rompe com a lógica monogâmica dos relacionamentos, onde as pessoas se relacionam somente com um parceiro e existe uma hierarquização das relações. Na não-monogamia, não há necessidade de exclusividade afetiva ou sexual entre os parceiros. Desse modo, as pessoas podem se conectar romântica e sexualmente ao mesmo tempo com pessoas diferentes.
A tracista e artesã Janna Mel, de 31 anos, se identifica como uma pessoa ‘não-mono’ há 4 anos. Ela conta como a busca pela sua identidade indígena tem relação direta com a sua forma de relacionar-se. “Eu estou nessa busca há 4 anos e é muito mais sobre prática do que sobre conceitos. Com essa experiência, eu consegui compreender muito mais a partir da busca da minha identidade indígena. Quando comecei a estudar mais sobre decolonialidade, eu compreendi que a monogamia foi uma ferramenta criada pelo sistema e que chegou aqui na América através do colonizador. Ele trouxe todo um sistema capitalista e a monogamia é apenas uma das ferramentas desse sistema”, explica.
Janna mel mora com um parceiro e
se relaciona com outras pessoas - Foto: Arquivo Pessoal
Janna explica que mora com um parceiro, mas que se relaciona afetivamente com outras pessoas. A trancista afirma que a não- -monogamia se aplica em todos os comportamentos sociais e uma das coisas mais importantes é descentralizar as relações e não hierarquizá-las.
“Eu moro com um parceiro, o Tiago, e nós tentamos fazer essa descentralização. Tento não hierarquizar as pessoas com quem eu me relaciono, pois todas são importantes em sua individualidade. Ultimamente eu estou me relacionando com o Tiago, com outro parceiro, o Diego, e uma parceira, a Marina. E tem uma outra pessoa, a Gabs, que foi morar em outro estado e estamos em uma outra fase da relação, tentando nos adaptar”, comentou.
Dia dos Namorados é apenas uma data comercial, afirma artesã Janna Mel
Para Janna, o Dia dos Namorados é apenas uma data comercial usada pelas grandes indústrias capitalistas para vender produtos. Ela destaca ainda que não acredita em casamentos e que, para ela, também são comerciais. “É uma data que eu não comemoro, mas tenho refletido muito sobre ela, e tenho achado interessante usar essa data para reivindicar o que eu acredito que seja mais saudável para as relações e para as pessoas como indivíduos em sua autonomia. Sou uma pessoa não monogâmica e tento fugir de todo esse sistema”, disse.
Foto: Arquivo Pessoal
A artesã acrescenta que essa forma de relacionar-se com pessoas e com o mundo é sobre desenvolver a própria autonomia, entendendo a importância da comunidade. “Não é sobre não querer passar o resto da minha vida com apenas uma pessoa, mas sim sobre ter tempo para pensar sobre as minhas questões pessoais e desenvolver a minha autonomia, vivenciando experiências com outras pessoas e me colocando como parte da natureza e como parte de um todo”, finaliza.
Segundo a psicóloga Ianny Luizy, toda forma de amor é válida se não colocar ninguém em sofrimento. “Em relação às diversas maneiras de se relacionar, é preciso saber se é algo confortável para as pessoas envolvidas ou se algum dos envolvidos está fazendo para satisfazer o outro. É algo que precisa ser conversado entre eles. Como psicóloga, toda forma de relacionamento é válida se não ninguém estiver em estado de sofrimento”.
“Não me vejo me relacionando com outras pessoas, pois encontrei minha alma gêmea”, diz nutricionista casada há 6 meses
Indo na contramão de relações livres e não monogâmicas, casais monogâmicos e tradicionais tem como objetivo permanecerem com a mesma pessoa pelo resto de suas vidas, ou até quando fizer sentido. Casar, ter filhos, criar uma família e planejar uma vida juntos ao lado do amor da vida pode soar arcaico, mas ainda é o sonho de muitos jovens ao redor do mundo.
Como é o caso da nutricionista Maria Clara Matos, de 29 anos. Ao ser questionada sobre o que a faz escolher a mesma pessoa todos os dias, ela conta que não se vê com outro alguém futuramente, pois encontrou quem buscava.
Maria Clara Matos afirma que não se vê com outro alguém - Foto: Arquivo Pessoal
“Eu olho para ele e vejo uma pessoa que exala o amor, o companheirismo que sempre busquei. Desde pequena, sempre quis alguém na minha vida que respeitasse todas as minhas escolhas, que estivesse comigo quando eu fizesse os meus planos e ele pra mim é essa pessoa. Além de ser meu marido, ele é meu melhor amigo, a gente conversa, brinca e o que eu vejo paro meu relacionamento é crescimento e evolução. Há esse desejo de crescer juntos, planejar juntos, montar uma família, viajar o mundo e expandir esse laço. É uma conexão muito forte e quando estamos juntos parece que somos um só”, diz.
Maria Clara e Lucas Brito se conheceram em 2019 por meio das redes sociais. O casal explica que tudo aconteceu muito rápido. “Foi aquela coisa de saber que aquela é a pessoa certa pra você. Sempre me senti confortável com ele desde o princípio e vice-versa. Começamos a namorar um mês depois que nós nos conhecemos e sempre fomos um casal muito aberto para fazer planos e acreditamos que as pessoas precisam estar na mesma sintonia”.
Para Maria Clara, querer estar somente com uma pessoa não é questão de posse e sim de ter encontrado a sua alma gêmea. “Ele faz parte de mim e de quem eu sou. É alguém que me traz paz, quando estamos juntos parece que nada no mundo pode me atingir. Eu não me vejo com outra pessoa, pois eu encontrei a minha alma gêmea e eu acredito muito nisso. Pode até ser um pensamento meio arcaico, mas eu não acredito que exista mais de uma alma gêmea no mundo. Em outras relações já experimentei o poliamor e para mim não funcionou de uma maneira tão legal. Eu sou essa pessoa que acredita que cada um pode encontrar o seu amor avassalador”, acrescenta.
O amor mais importante: o próprio
Independente da maneira em que escolhemos expressar nossos sentimentos e nos relacionarmos, a coisa mais importante é estar em comunhão consigo e em sintonia com o que se acredita. Vibrando amor para si e para os outros.
Quando alguém não está bem consigo mesmo, dificilmente estará bem com o parceiro, algo que acaba dificultando as relações. Por isso é tão necessário entender que a relação que construímos com nós mesmos guia as relações que iremos construir com os demais. Dessa maneira, compreender que a sua própria felicidade está em você é a chave para o desenvolvimento de relações felizes, sejam elas monogâmicas ou não.